BemDitasPalavras

7.4.06

Lua...

Por que tens de fazer sonhar a tantos outros? Cubra os encantos que a tantos cantos revela. Nuble-se. Seu brilho enfeitiça, suas crateras são para apenas um. Mostre apenas a mim as estrelas. Anuvie-se. Tu és Lua. Não se permita aos que não sabem andar sem tocar o chão e tuas curvas, que são minhas. Turve-se. Há homens que trocam Lua por estrelas e te fazem tantas, enquanto és única. Enevoe-se. Seja só. Dê-se a quem caminha em tua saudade, cego na imagem de seus sorrisos, aos outros, não. Ensombre-se. Olhe para onde reflete teu brilho e sangra tua ausência. Receba apenas minhas gotas de só você. Cintile-se. Flameje o coração que apenas arde em seu fogo. Seja lava e ecloda em meu oceano que é só teu. Refulgi-se. És apenas minha, sou apenas teu. Seja Lua em minha Terra, onde a vida só existe em seus beijos. Resplandeça-se Contemple-me com seu todo, preencha-me com seu tudo. Dê-me o manto da noite, qual fosse um dia de luz. Reluza-se. Mate o que te faz vulgar. Cega os olhos que te admiram. Faça-se aroma e encante meus sentidos. Fulgure-se. Sei que tantos te admiram e te desejam, todavia apenas eu te faço sonho todos os dias. Sonho que realizo na cegueira de minhas saudades, no estatelar de cada encontro. Tu és tão linda! Tu eras tão minha! Dê-me todas as tuas fases, não se permita fazer sonhar àqueles que apenas te desejam tocar. Amo teu corpo como apaixonado sou por todos os seus abstratos. Lua... Seria a Lua de todos os meus tetos. Não entregue aquilo que pertence a quem tanto se entregou a seus delírios. Amor de minha vida...Seja Lua aos olhos dos mortais, seja Mulher-Lua aos desejos que tatuastes em minha alma. Raia-se! Aos Putos de outras horas, seja minha Lua-Mulher. Eclipse-se.

"Com Certeza" já dói demais.

“Filho, mas em que mundo nós estamos?” Diziam minha mãe e outras belas e jovens senhoras que nos educaram desde os tempos idos, com muito mais ênfase na exclamação que o momento solicitava, do que na interrogação que a norma nos força a acentuar - tenho quarenta e um anos de idade, refiro-me à turminha de sessenta e quatro, de mil novecentos e sessenta e quatro – mas, este era um dos principais bordões que por tantos anos nos acompanhou; vez ou outra ainda é dito por aí. Parece que aqueles que na verdade deveriam ser os senhores e senhoras dessa sabedoria, não sabiam ao certo em que mundo estariam criando seus pupilos. Essa expressão “em que mundo nós estamos”, era um bordão, entretanto, como outros bordões, revezava suas incursões nos diálogos outrora travados, com tantos outros bordões que surgiam e desapareciam como o rosa-choque ou o azul-bebê. Hoje, “com certeza”, os tempos são outros; tempos cronológicos e tempos de certezas e incertezas. Por exemplo: “Com certeza”. Você já parou para contar quantas vezes essa expressão invade seus tímpanos adentro, emissoras de rádio e TVs afora? É uma silenciosa calamidade. Tivesse eu o tino de meus antepassados portugueses... Possuísse eu a habilidade para enxergar a possibilidade de bons negócios, teria procurado o órgão competente e, via ECAD ou sei lá o que, teria patenteado essa expressão: “Com certeza”. Falou, pagou. - E aí, Zequinha, você acredita que será possível inverter o resultado dessa partida no segundo tempo? Pergunta o repórter ao ofegante artilheiro. - Com certeza, se o “professor” fizer alguma mudança no time, nós podemos partir para cima deles no segundo tempo, basta botar mais garra. Responde o claudicante último investimento feito pelo clube na tentativa de sair da apocalíptica situação na qual se encontra na tabela do campeonato. Pudemos observar no pequeno “embate” descrito acima, que de tanta certeza derramada, até a própria incerteza já não é mais tão incerta assim. Basta acompanharmos as transmissões esportivas, seja através da televisão ou pelo rádio, para percebermos que o “com certeza” estará sempre lá, marcando presença em cada nove de dez entrevistas realizadas. Não sejamos injustos, há os jogadores de futebol que estudaram mais um pouquinho e, “certamente” merecem a exclusão do balaio que assola nossos desavisados ouvidos durante as transmissões, todavia o que estes fazem é mascarar o “com certeza” fazendo uso do “certamente”, assim como eu acabei de fazer linhas atrás. Há também os jogadores que se propuseram a estudar um tanto mais ainda e se transformaram em poliglotas, ministros, etc, etc, entretanto, estes não pertencem ao foco de nosso assunto, deixemo-los quietos. E o que podemos dizer das entrevistas realizadas durante as transmissões do carnaval? Minha nossa senhora! É um enredo só, cujo samba que o representa é o “Samba do Crioulo Doido”, doido varrido. Uma vez mais nos deparamos com inúmeros momentos de “sobriedade e respeito” a nossa língua – não estou me referindo a Norma Culta não, falo da língua falada, pior, da língua ouvida (meus ouvidos pedem “arrego”, não agüentam mais) – é “com certeza” para lá, “com certeza” para cá, um samba cujo compasso é o próprio descompasso das diversas idéias que nos passam ao usarem a expressão que eu não tive o discernimento suficiente para patentear a tempo. - Senhor Presidente, a comunidade está unida para que a escola apresente um carnaval à altura de suas tradições? Lá vai o repórter – é o mesmo repórter; as rádios remanejam seus repórteres esportivos para procederem a cobertura do carnaval – mas, lá vai o repórter e sua pergunta ao presidente emocionado da escola que se prepara para invadir a Sapucaí. - Com certeza! Passamos um ano difícil, foram muitos os problemas, mas com a ajuda de Deus e nosso amado São Jorge, além da garra de nossa comunidade, vamos tentar fazer o melhor desfile de todos, vamos arrebentar! Responde o tal presidente, sambando tanto que a homogeneidade da mistura de cerveja com emoção claudica suas palavras que nos trazem a mensagem e um “quase bafo” até nossos olhos e ouvidos que sempre são pegos de surpresa. Olha o “com certeza” aí de novo gente! Pois é, mais uma vez a própria expressão, o bordão, perdeu o seu primeiro sentido. O presidente da escola não tinha certeza de nada e nem quis dizer a ninguém a despeito de sua certeza ou da falta dela, ele apenas quis descrever que sua escola de samba faria um desfile permeado pelo ímpeto e pela garra, provenientes de tanto sacrifício realizado para que o carnaval de sua comunidade ganhasse as ruas. Mas lá foi o “com certeza”, avenida abaixo novamente. O engraçado nisso tudo é que a expressão debatida não separa ninguém por credo, raça ou posição social: todos mandam e desmandam o “com certeza” por aí sem dó e muito menos piedade. São passistas, destaques, presidentes, vips, e até mesmo alguns repórteres e apresentadores de rádio e tv, o que é, e onde reside a verdadeira lástima, pois são estes os que divulgam e formam opiniões, novas expressões e novos verbetes goelas e ouvidos abaixo. Ambientes do futebol e do samba são apenas dois dos segmentos de nossa sociedade, pincelados para exemplificar e agigantar o meu autodescontentamento. Sãos muitos “com certeza” jogados ao vento sem que eu pudesse me beneficiar com eles. Não há como negar – nossa, que maneira chique de dizer: “com certeza” – mas, não há como negar que eu já estaria rico e vivendo à sombra de algum coqueiro ou palmeira, numa dessas praias paradisíacas, sendo servido por alguma nativa duma região qualquer onde não se falasse o português – não gosto de correr riscos em lugares assim – mas, não há como negar que eu já estaria rico, se tivesse gastado melhor meus momentos vagos, com possíveis investimentos, ao invés de ficar por aí gastando o tempo dos outros com minhas frescuras auditivas. Claro, há também a perspectiva de que assim que minha fortuna começasse a causar a inveja alheia, o “com certeza” pudesse deixar a boca do povo, na intenção de coibir o avanço de meu enriquecimento. Contudo eu confesso: meus bolsos sofreriam, porém meus ouvidos... estes seriam eternamente gratos e nós, como bons cidadãos brasileiros normais que somos, poderíamos passar diretamente ao bordão seguinte, saindo dessa mesmice que tanto me perturba. Sem contar, obviamente, que desta forma eu poderia dizer a minha excelentíssima mãezinha, ao responder-lhe com uma frase que calaria suas dúvidas sem maiores problemas: Sim mãe, “com certeza” eu posso lhe dizer em que mundo nós estamos: não é mais o seu e, “certamente” não é o meu, não há como negar, estamos no próximo mãe, no próximo, graças ao bom Deus e nosso amado São Jorge.

Quem são os Senhores de nossos mundos?

Chove muito na cidade do Rio de Janeiro e, também chove muito em Niterói, bela cidade onde vivo desde a melhor parte de minha infância. Eram quase dez horas da manhã, mas, a ansiedade parecia coisa de meio-dia. É que entro às oito e meia no trabalho. Nenhum mestre zen conseguiria ficar alheio a tamanho atraso; deveria, mas isso é muito difícil e, quando conseguimos tratar desta forma a correria do mundo, somos talhados de vagabundos e irresponsáveis. Somos educados para servir e, servir bem, com assiduidade e pontualidade. Ainda somos, em nossa maioria esmagadora, verdadeiros escravos; apenas o patrão de outrora mudou de nome, hoje se chama “salário”. Finalmente a menina que é paga para ficar em minha casa, a tomar conta de meus dois pimpolhos chegara. Esta sim, uma verdadeira discípula de um mestre zen qualquer. Olhou-me, sorriu-me bem desprovida de qualquer preocupação e, dirigiu-se ao banheiro, a fim de diminuir ainda mais os panos que lhe cobriam as suntuosas curvas. Eu...Bem, pus-me imediatamente em direção à porta, correndo feito uma vaca louca à procura de seu bezerro perdido, precisava disparar minhas intenções nas intenções de meus compromissos. Não tive muito tempo para prestar atenção em nada no mundo que não fosse o ônibus, o trocador do ônibus, o ponto, o Catamarã, que faz a travessia Niterói-Rio, enfim, nada desviou minha atenção da porta do local onde ganho o meu pão-de-cada-dia – aliás, depois que compro o pão me sobra muito pouco. Ah! Enganei-me! Minha atenção foi desviada sim, durante o percurso. Estou acabando de ler um livro delicioso – ao menos para quem aprecia o “metiê” do futebol – “O Nosso Futebol”, este é o título do livro. Seu autor: Fernando Calazans. Trata-se de uma reunião de crônicas do excelente escritor, que diariamente nos presenteia com suas belas e cativantes palavras nas páginas de esportes do jornal O Globo, do Rio de Janeiro. Faltavam apenas quatro crônicas para eu terminar com minha leitura, não podia esperar mais. Assim que me espalhei num dos macios assentos do Catamarã que me conduziria na travessia da esplêndida e super poluída Baía da Guanabara, pus-me a desfolhar meu livro na intenção da última crônica lida. Pronto, achei! E assim o mundo ao redor se desligou por completo, ante àqueles preciosos momentos de prazer que a leitura me oferecia. Terminei com o livro quase simultaneamente à chegada do Catamarã ao Rio. - Todos para fora! Disse o Comandante. Mentira! Ele não falou assim, ele disse: Tripulação, abrir portas” Este “todos para fora!”, soava inconteste nas diversas consciências, companheiras de viagem”. Inclusive na minha. Chovia demais no centro do Rio. A chuva, com a devida exceção daqueles que dela se alimentam, seja para comemorar a fomentação de seus cultivos, seja para comemorar qualquer outra coisa, braços estendidos na direção do céu choroso, tende a limitar o campo de ação de nossos olhares toda vez que se precipita de forma mais frondosa. Guardas-chuva ao alto da cabeça, os olhares são obrigados a fitarem o chão, as poças e os pés dos outros transeuntes que passam ao nosso redor, vítimas das vontades de suas consciências, ou, vítimas do instinto que diariamente nos leva aos locais de onde enriquecemos nossos patrões. E lá ia eu, livrando-me dos pingos salientes, pulando poças quase intransponíveis, pedindo desculpas a não sei quem, pelos encontros indesejáveis dos guardas-chuva...lá ia eu. Percebi então, dentro dos limites de meu guarda-chuva, que ali, naquele pedaço de “meu” mundo, eu não era o senhor das ações. Percebi também que algumas indagações se faziam zunir, como se fossem mosquitos petulantes, daqueles que nos perturbam no melhor momento de qualquer sono: Por que tanta pressa, tanta correria? Por que sigo esses outros passos, como um daqueles seres que sem saber, caminham com seus desconhecidos companheiros na direção do próximo abate? Por que o resto do mundo, que não está no caminho de meus instintivos passos me interessa tão pouco? Nossa, quantos por quês! Respostas? Nenhuma que me convencesse a mudar o rumo de minhas trocas de pernas. Primeiro a direita, depois a esquerda e, novamente a direita e assim sucessivamente...lá ia eu, sem vontade de ir, nem de não ir, na direção do mesmo lugar de sempre. O mundo? O mundo acontecia ao meu redor, à revelia de meus pensamentos e de minhas dúvidas. Não sou eu quem domina os desígnios do mundo, tampouco sou eu quem parece dominar os desígnios de meu próprio mundo. Talvez minha necessidade de ter algo para por à mesa – a escravidão da qual falei ainda a pouco -, talvez minha irresponsabilidade com o bem maior que recebi Daquele que acredito ser o Criador. Pois é, passo meus dias acordado durante a maior parte deles, porém, estivesse eu dormindo e, meu encontro com as coisas do mundo talvez fosse mais afetuoso. E assim íamos todos nós, passageiros da pressa e das agonias do dia-a-dia, sem querer, na direção quase que desesperada de um encontro tão quisto quanto um prato de comida após a ceifa da cana-de-açúcar. O mundo e seus desígnios? Não nos importa muito, o relógio sim, este era o senhor de todas as coisas. Assim, 98% de qualquer população ativa deste país ou de um outro país qualquer, passa os seus dias, sem por estes realmente passar, degustando, fazendo parte. Chuva, Sol, murmurinhos, passos e outros passos, carros, sinais vermelhos e verdes, o ser humano esqueceu que está aqui para sorver o mundo e não o contrário. O ser humano esqueceu que tem o poder de orientar seus passos, seus atos e seus olhares para onde bem entender e, não permitir que o mundo coloque diante de seus sentidos o próximo passo. Somos – ao menos deveríamos ser – os senhores deste mundo. Deveríamos provê-lo e protegê-lo, para que dele pudéssemos desfrutar com mais prazer. A sensação de caminharmos numa direção instintiva, com passos pré-determinados pelo cotidiano, tendo apenas o passo dado como horizonte, nos ilustra e nos dá a exata noção do que é viver apenas o presente, sem mesmo do presente tirarmos proveito. O passado e o futuro simplesmente não existem, e o presente que se torna passado sem que dele tenhamos lembranças. São poucos os realmente senhores de seus mundos. Neste momento, enquanto escrevo utilizando um pequeno espaço de meu dia de trabalho, liberto um sorriso e me sinto um pouco senhor de meu mundo, mesmo que não me sinta degustando dele. Apenas o fato de usar este espaço para expressar o meu pensamento e não o pensamento de uma planilha qualquer, já me torna um ser diferente desses que, agora que finalmente cheguei ao trabalho, consigo vislumbrar enquanto te digo algo que habita a entidade a qual deleguei a sina de meus passos: o meu coração, este sim, o senhor de todos os meus mundos.
Claro que hoje não "chove muito no Rio de Janeiro". Essa paranóia acima ocorreu num dia de chuva sim, mas...tira-se a chuva coloca-se um Sol escaldante e os sentimentos apenas intensificam-se com o calor, nada mais.