BemDitasPalavras

5.5.06

Trabalhinho para a faculdade.

Faculdade de Letras Estácio de Sá, 2005. A professora me pede para tentar escrever uma carta como se eu fosse o próprio Neruda, em alusão a qualquer passagem do filme O Carteiro e o Poeta - lindo filme. A primeira viagem foi dela. Onde já se viu pedir uma coisa dessas? A segunda viagem foi minha, pois a mulher insistiu e eu, bem, eu não podia levar um zero - apesar de estar fadado a isto. Abaixo meu trabalhinho. Na falta do que escrever...

Santiago, 28/09/2005

Amigo Mario, Escrevo esta carta de muito longe, porém com o sentimento tocando-me feito lava incandescente. Sentimento este que me carrega ainda saudade quase ao calor de teu abraço amigo, apesar dos mares que por tanto tempo nos separaram. Queima-me a tristeza, arde em minha pele e na pele de minha alma a alegria de tê-lo como amigo, de tê-lo encontrado no lugar que escolhi para refugiar-me daqueles com os quais troquei e ainda troco tantas incompreensões. A tristeza que me queima o faz na forma das labaredas da saudade. Saudade doída. Saudades da ilha que encontrei ilha, saudades do amigo e companheiro que encontrei carteiro. O que vez ou outra afoga minhas retinas é o fato de ter agora uma saudade que já foi diferente. A saudade que se fez concreta no momento da partida, assim que a solidão me abraçou companheira fez-se abstrata, pois guardo em meu coração a ilha que hoje já não me é mais ilha, do amigo e companheiro que hoje já não me é carteiro. Redescobri na beleza sutil de sua poesia a própria poesia de suas coisas, das coisas de sua ilha. As ondas de Cali Sotto, pequenas ou grandes; os ventos que sopravam nos rochedos e nos arbustos; o som dos sinos a tilintar chamando-nos à fé; as águas claras do mar que ainda ontem molhavam-me os pés, enfim, a ilha que me acolheu com tamanha graça já não me soam como lembranças, mas como sentimentos e tocam poesia em meu coração. Assim como em poesia transformou-se sua ilha, meu amigo e companheiro, antes um devotado carteiro hoje também abstrato se faz. Mário, a saudade que o retirou do mirar de meus olhares e o guardou em minhas veias, apresentou-me a você novamente, porém, hoje o que enxergo é o que exalas em minha quase agonizante ausência. Lembro de tê-lo encontrado absorto, envolvido no despertar de sua veia poética, sem saber ao certo como retira-la de dentro de si a transformando numa aliança de matrimônio a fim de entregá-la ao amor que em ti também despertava ainda criança. Recordo-me de suas dificuldades em entregar o amor que lhe brotava ribeirinho ao amor que lhe afogava oceano. Como pude demorar a perceber que você, amigo e companheiro, era a poesia em si que transbordava diante de meus olhos sem que eu permitisse o toque desta poesia ainda bruta nos sentimentos de minha alma? Amigo, tu és um belo poeta! Poeta e poesia rodopiando como um alegre e serelepe redemoinho numa só pessoa, numa só alma, numa só ilha. A saudade dói, mas já não é soberana. A ansiedade agora me queima qual a chama azul e flamejante de uma enorme labareda. Estou retornando a ilha que ouso chamar nossa. Em breve poderei recuperar meus tempos perdidos. Tempos em que, descalços, meus pés tocaram o solo de nossa ilha sem que minha sensibilidade carregasse o toque ao meu duro coração. Tempos em que meu amigo e companheiro carteiro me ensinou sua poesia, porém comportei-me como mau aluno, disperso e insensível. Há de haver tempo também para que eu possa conhecer o fruto de sua poesia e de seu amor com Beatrice, Pablito. Que a alegria e a gratidão possam partir na minha frente e, dizer o quanto sou grato por sua homenagem. Amigo Mário, guarde-se poeta, preserve sua ilha poesia, pois o admirador de ambos está voltando.

Do amigo inconteste,

Pablo Neruda.

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