BemDitasPalavras

5.5.06

Lembranças que cheiram

O tempo estava parado, quase que totalmente estagnado. Por mais que ainda se pudesse sentir o cheiro feliz da flor a nos provar que não se tratava de uma pintura, um aroma longe, fraquinho mesmo - fraquinho, mas constante e perceptível, ainda assim o quadro era mesmo quase um quadro. O aroma pairava, mas não chegava com a brisa que não soprava. Um olhar, uma estrada de barro vermelho, um cerca branca - a cerca era quem mais se destacava em todo mirar - grama, após a cerca um fosco e belo gramado. Ao longe, a Flor. Ainda mais longe uma luz brilhava e tomava para si a face mais bela da Flor, que mirava a luz. Diante de todo este quadro, quase um quadro, um homem. Um homem que observava tudo sem piscar os olhos. Seus olhos estavam há tanto tempo abertos que acentuava a desconfiança de que se estava diante de um Renoir, tamanha realidade que te trazia, tamanha a certeza estática que te conduzia a crença de que todo aquele mundo parado seria uma pintura impressionista. O primeiro som chegou sorrateiro, quase imperceptível e, mesmo quem o percebesse imaginaria estar sonhando, imaginando coisas. Mas o som chegou e, o movimento que o provocara não tardou a modificar todo o ambiente. Era o som de uma brisa. Uma brisa quente e aconchegante. A brisa que veio renovar o perfume que permeava há séculos aquela cena inerte. O homem inspirou profundamente. Um cheiro de terra molhada secando ao Sol veio fazer companhia ao aroma constante daquela Flor. O homem moveu-se, ajeitou-se novamente em seu mirar, conduziu seu pescoço numa semi-volta da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, novamente inspirou profundo e, sorriu. Podia sentir-se vivo, o quadro se desfez. O homem percebeu que seus sentidos aguçaram seus poderes e, começou a sentir o ambiente que o cercava: o aroma da Flor, da brisa encarnada pelo aroma de terra molhada, ouviu novamente o som da natureza que o cercava. Havia pássaros manifestando alvoroços nas árvores que margeavam a estrada onde se encontrava o homem - não mais totalmente inerte, mas ainda parado na mesma pegada. O homem mais uma vez sorriu. Seus olhos arregalaram quando percebeu que as cores de tudo que o cercava estavam mais vivas, vibrantes. Causou um pouco de estranheza ao homem sua próxima constatação: nem tudo fora renovado ganhando vida em seu aspecto, a cerca...a cerca empalidecera-se, tornara-se fosca e distante. O homem gastou os próximos minutos tentando acreditar no que estava vendo. Nesse momento novamente a brisa soprou, agora mais quente e tenra, feliz. O homem aconchegou-se no eriçar de seus poros e abraçou a brisa como se isso fosse possível. O mundo então se explicou. O homem levantou vagarosamente os olhos tão encantados e, um encanto ainda maior instalou-se em seu mirar: A Flor. A Flor não tinha mais sua bela face voltada para a luz que a fazia ser tão distante. A Flor agora fitava o homem e, ao homem dedicava um belo e alvo sorriso. A felicidade envolveu homem e Flor, trouxe na lembrança antigos momentos de magia e carinho. Assim, a vida-pintura impressiona mais aqueles que diante do homem e da Flor colocam suas retinas. A vida mudou, renovou-se e está feliz neste momento. Foi o sorriso da Flor que trouxe à vida sua brisa quente e feliz.

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